Durante anos, a publicidade impulsionou as vendas de produtos que hoje são vistos como insustentáveis: cigarros, bebidas alcoólicas, alimentos ultraprocessados — e, ao que tudo indica, agora também os sites de apostas esportivas.
Recentemente, o técnico do Flamengo, Filipe Luís, fez um comentário interessante. Ele comparou os patrocínios de casas de apostas de hoje à antiga era da publicidade de cigarros na Fórmula 1 — e isso nos faz refletir:
O que o marketing ainda está promovendo hoje que, daqui a alguns anos, vamos olhar para trás e reconhecer como um erro coletivo?
Este artigo apresenta uma cronologia de patrocínios controversos e propõe uma reflexão sobre como o marketing pode facilitar comportamentos que acabam se tornando vícios invisíveis — e socialmente destrutivos.
Linha do Tempo: Quando a Publicidade Se Tornou Parte do Problema
Cigarros (1970–2006)
Marcas como Marlboro, Camel e Rothmans dominaram a Fórmula 1 e outros esportes.
Quando acabou: Foi totalmente proibido em 2006 por questões de saúde pública.
Por quê: A associação do glamour com o cigarro normalizou um hábito mortal.
Álcool (1980–2020)
Times e eventos esportivos de grande porte foram (e ainda são) patrocinados por marcas de bebidas alcoólicas.
Quando começou a mudar: Políticas como a "Loi Évin", da França (1991), limitaram a publicidade de álcool em eventos esportivos.
Por quê: A ligação direta com violência, direção alcoolizada e problemas de saúde pública.
Junk Food (1990–2020)
Refrigerantes e redes de fast food dominaram transmissões esportivas e campeonatos infantis.
Quando começou a cair: Proibições globais de publicidade direcionada a crianças.
Por quê: Obesidade infantil e doenças crônicas associadas.
Casas de Apostas (2020–presente)
Mais de 90% dos principais clubes de futebol do Brasil são patrocinados por casas de apostas.
Quando o problema começou: Neste exato momento.
Por quê: Aumento dos vícios em jogos, impactos psicológicos e exploração de jogadores.
O Que o Marketing Precisa Mudar
1. De persuasão para posicionamento
Vender não é suficiente — as marcas precisam entender o que estão vendendo e com quem estão associadas.
Campanhas não devem apenas converter. Elas precisam construir confiança.
2. Cultura como limite da criatividade
Hoje, o marketing precisa decifrar as mudanças culturais com a mesma precisão com que lê dashboards.
3. Ganhos de curto prazo vs. valor de marca a longo prazo
Patrocínios polêmicos podem parecer lucrativos no presente.
Mas o dano à reputação pode sair mais caro que qualquer investimento em mídia.
4. Brand safety como pilar estratégico, e não apenas técnico
Não é só sobre onde sua marca aparece.
É sobre o que sua marca representa e quais mensagens culturais ela reforça.
5. As marcas precisam de um espelho, não apenas um megafone
Num mundo cheio de céticos, marcas inconsistentes perdem completamente sua relevância — e sua confiança.
Reflexão Final
"Daqui a 20 anos, vamos sentar e dizer: como deixamos todas as camisas estampadas com apostas?"
— Filipe Luís, técnico do Flamengo
Fonte: https://ge.globo.com/futebol/times/flamengo/noticia/2025/04/16/filipe-luis-pede-presuncao-de-inocencia-a-bruno-henrique-e-diz-que-recusa-casa-de-apostas.ghtml
Esse tipo de frase marca um ponto de virada.
Você se lembra de quando não acreditávamos que comerciais de cigarro eram liberados na TV, ou que mascotes de fast food miravam diretamente as crianças?
Em breve, veremos os patrocínios de apostas com os mesmos olhos críticos.
O marketing não é a raiz de todo mal.
Mas é responsável pelo que promove, pelo que normaliza — e pelo que amplifica.