Estava em um restaurante bem adequado a almoço em dia de trabalho. Atendimento cordial, ainda que sem nenhuma declaração de amor. Comida veio dentro da expectativa, no tempo certo, parecia que de fato conseguiríamos comer bem, quase divertidamente, e retornar a tempo. Só que não. A conta não chegava.
Experiência vai até o final
A experiência do consumidor não termina quando o almoço acaba. Termina quando o cliente sai do restaurante, recebe o carro e, sendo mais detalhado ainda, espera a digestão pra ver se foi tudo bem.
Mas vamos voltar ao almoço que eu estava relatando: a conta não chegava. E a reunião se aproximando perigosamente. Tinha um senhor no salão, meio que o xerife do condado. E eu nervoso já com o horário, irritado com a falta total de resposta aos meus pedidos-apelos-chiliques pra que trouxessem a conta.
Mas, nada.
Na fronteira entre o resto de coerência que ainda me restava e a insanidade que chegava implacável, fui até o xerife, bem no meio no salão, assumi que ele era o dono do estabelecimento, e falei que em 5 minutos eu iria sair sem pagar, caso a tal conta não chegasse.
Revertendo uma má experiência
O dono do restaurante não se alterou. Com a maior calma do condado simplesmente me pediu desculpas, explicou que o sistema tinha pifado, e que pra acabar de chutar o balde, alguns funcionários haviam faltado. A tempestade perfeita.
Pediu que eu aceitasse as desculpas; que me considerasse convidado dele e então não pagasse. Cortesia como forma de me compensar pela falha. Ele me pareceu legitimamente sentido com a situação.
Achei que ele estava sendo sincero. Aceitei a forma de resolver aquela questão. Acabei me comprometendo a voltar, como que para enfim pagar um almoço ali e “retribuir” o convite. (cá entre nós, confesso: me arrependi de não ter comido sobremesa...)
Encantamento em função da atitude
Errar faz parte. Falhar faz parte. Não é o que o cliente espera, mas de uma forma geral, isso não é suficiente pra condenar uma marca irreversivelmente. Um erro coloca a marca em julgamento. O cliente é sempre juiz. Mas, mesmo chateado, o cliente é sensível em relação à forma de a empresa tentar reverter a situação. E é a atitude da empresa, a forma de recompensar o cliente, que fará o veredito ser favorável ou contra a dar mais uma chance.
Observemos: não usei a expressão compensar. Usei recompensar. Porque compensar apenas zera a situação sem, contudo, fazer o cliente se sentir especial. O bife que estava errado enfim veio certo. Mas e o tempo perdido? E a frustração? E o descompasso em relação aos demais comensais? Precisa mais do que o bife certo, não é mesmo?
O perdão às falhas
Falhas se perdoam, quase sempre. Quase sempre não é sempre: se o avião cair não tem como des-cair e pedir desculpas. Mas mesmo neste caso, a decência em acompanhar a família e em pagar indenizações devidas pode demonstrar a seriedade da marca e recuperar parte da confiança nela.
O segredo está na legitimidade da atitude, na sinceridade. E, claro, no fato de as falhas serem exceções. Se as falhas são frequentes e os pedidos de desculpas apenas fazem parte da rotina, não tem perdão que perdoe.
Tudo passa pela atitude, pela postura de recuperação. E a partir dela pode se construir um relacionamento tão especial que levará à lealdade. Muitos casos de amor começam com uma situação bastante desfavorável, não é mesmo?
ARTIGO DE IGDAL PARNES, PUBLICADO ORIGINALMENTE NO BIZNEWS, COLUNA “MARKETING SEM ENROLAÇÃO”, EM 5.ABR.2022