Estava eu no trânsito ontem quando vejo adiante a moto de uma empresa distribuidora de gás, adaptada pra carregar 2 bujões. Um arranjo meio insólito, como um triciclo, mas que me pareceu funcional.
Não foi isso que me chamou a atenção. O que eu achei estranho é que o motociclista estava andando no meio das pistas (e assim ocupando ambas), lentamente, segurando o guidão do triciclo com uma mão. E na outra mão, impávido colosso, um cigarro. Isso aí.
Pilotando um veículo com um bujão de gás de cada lado, no meio da pista, fumando. Claro que eu não sei se os bujões estavam cheios. Mas isso não importa. A cena incomodava de toda forma. E meio que fazia todo mundo desviar, ultrapassar, salve-se quem puder!
Qual impressão a marca daquela empresa gerou?
Marcas, e não pessoas
No final das contas, ninguém pede a identidade do piloto pra ficar com uma imagem negativa dele. A gente condena a marca da empresa pra qual ele trabalha. E é isso que demanda enormes cuidados.
Tudo marca a marca. É como uma conta corrente. A empresa cuida bem dos produtos e serviços, proporciona boa experiência pro cliente, faz ações bacanas, declara bons valores, tome atitudes com as quais nos identificamos. Depositou na conta corrente da marca.
Mas qualquer desatenção, pode ser a gota d`água, como diz a música. Sacou da conta corrente da marca. Uma moto adaptada pra carregar bujões de gás, com um piloto fumando, zera qualquer saldo.
O caminhão da Coca-Cola e da Brahma
Claro, empresas como as de refrigerantes sérios e cervejas tentadoras, e outras tantas de tantos segmentos, atuam de forma tão completa e pensada que geram constantemente um saldo enorme na conta corrente da marca. Não quer dizer que não pisem na bola.
Já atrasei compromisso porque o caminhão de bebidas estava atrapalhando o trânsito. Mas a marca tinha tanto saldo na conta corrente que este saque contra a marca não chegou a fazer o cheque emocional da relação voltar por falta de fundos. E até ocorre nestes casos um fenômeno interessante: a gente fica com raiva do motorista do caminhão e não com raiva da marca. Como se aquele colaborador estivesse maculando a marca que o contratou.
Saldo tem limite
Não sejam fofinhos: tudo que nos irrita acaba gerando uma mácula em relação à empresa que nos deixou insatisfeitos. Pode ser um detalhe simples como funcionários falando alto, pode ser ar condicionado excessivamente agressivo ou muito tímido.
Saques constantes sem reposição na conta da marca acabam gerando saldo negativo, encerramento da conta, da relação. O cliente cansa.
Por isso, tudo marca a marca. Pro bem e pro mal. Depositando ou sacando.
E é uma relação injusta, desigual. O cliente pode sacar o tempo todo. A marca não pode, porque o cliente é raro, único, o rei do reino do consumo. Já a marca, atualmente, em mercados tão engarrafados como são quase todos, acaba sendo a eterna súdita.
Uma persona de cada lado
Marcas são personas, assim como o consumidor é definido com sendo uma persona. Clientes se identificam com a persona das marcas, assim como as marcas constroem sua imagem para serem percebidas como sendo “a cara do cliente”. Mais que a cara do cliente, a alma do cliente.
Diferenciais funcionais substituídos por um comportamento de empatia, em que marcas entendem o momento do cliente e o ajudam a viver aquilo da forma melhor. Isso é um depósito substancial na conta corrente da relação.
A questão é as marcas (não todas, apenas as mais bem cuidadas) acabam dizendo ao mundo quem o cliente é, no que ele acredita, quais os seus valores. Simbiose. Você quer que o mundo te veja como um maluco que fuma entre 2 bujões de gás?
ARTIGO DE IGDAL PARNES, PUBLICADO ORIGINALMENTE NO BIZNEWS, COLUNA “MARKETING SEM ENROLAÇÃO”, EM 5.ABR.2022