Desde que eu aprendi a ler, naqueles gloriosos e charmosos anos 60, havia duas plaquinhas em todo lugar: “Não vendemos fiado” e “O Freguês tem sempre razão”. A coisa de não vender fiado acabou sendo dissolvida ao longo do tempo, sendo trocada pelos cheques pré-datados (tem gente que ainda usa), boletos que vencem depois, cartões de crédito e por aí vai.
A outra plaquinha não mudou. Só ganhou formas mais rebuscadas de ser escrita; mesma essência: o freguês continua tendo razão. Sempre. Será?
Customer Centric Decision
A gente usa expressões muito bacanas, como Customer Centic Decision ou Customer Success, que no fundo apregoam a colocação do cliente no centro de tudo; olhar e promover o sucesso dele. Não é diferente do que o Marketing sempre falou: o cliente é o centro do (nosso) universo.
Isso agora está mais e mais sendo levado a sério, já que o volume de produtos e serviços colocados à venda supera de longe o volume de consumidores que querem comprar. Ok, concordo, nestes tempos estranhos de pandemia e retomada, estão faltando itens em vários setores. Mas é episódico.
Então, numa relação desequilibrada de força, o recurso mais escasso (cliente) tem mais valor e manda mais do que o recurso menos escasso (prateleiras e sites abarrotados de oferta).
Empresas fazem clientes reféns
Claro, em algumas situações de pouca competição, os serviços são ruins (ou não são bons o suficiente). O cliente tem sim razão. A gente vê isso em várias situações. Sites de empresas aéreas ou aplicativos que não completam o check-in, entregas agendadas de produtos que não chegam, conexões que não se conectam, e por aí vai. Daria pra escrever uma montanha de exemplos aqui. No “Reclame Aqui” tem mais. É fácil ver que o cliente tem razão.
Situações cotidianas de falhas ou necessidades de reparação também acontecem. De uma forma geral as empresas sérias são sérias e reconhecem quando erram. Deveriam compensar e recompensar, mas apenas compensam.
Até aqui o cliente de fato tem razão, não é mesmo?
Clientes sem noção
Tem situações surreais. Tem cliente que entra em uma livraria querendo trocar livro que ganhou e que foi comprado em outra. Trocar perfume de uma loja por outro de loja concorrente. Tem produto que é usado errado e que estraga e depois o cliente quer trocar. Ou que passou o prazo de troca.
Tem empresa que vende pra outra um lote de produtos, com preço e pagamento especiais, sem direito de devolução, por exemplo, e depois de um tempo a empresa que comprou quer devolver e ameaça parar a relação se isso não for aceito. O cliente tem razão neste caso??
O cliente faz reserva no restaurante, chega uma hora atrasado e exige a mesa. O cliente tem razão?
Afinal, o cliente sem razão tem razão?
No máximo, em caso de dúvida, o cliente tem razão. Mas o cliente que está errado não tem razão não. E o que fazer nesta situação? A escolha é cruel: a empresa quer ganhar a discussão e perder o cliente? É aí que o cliente sem razão acaba ganhando razão. Clientes são disputados cada vez mais. Valorizados cada vez mais. Muitas vezes vale a pena aceitar o erro do cliente e mantê-lo. Perde-se um anel ou outro, mas se mantém os dedos e até outros anéis. Cruel pras empresas. Mas é a lei da oferta e da procura.
O ideal é tentar uma solução que não seja exatamente como o cliente quer, que misture novos negócios com a aceitação de algumas injustiças comerciais. Meio que solução (quase) honrosa.
Mas no final das contas tudo parece fazer parte de um jogo cruel, cenas de vingança: empresas atendem mal quando podem, clientes se comportam mal quando podem. Sorte que não é a regra geral.
E qual a saída? Paz, por favor. Todos agirem com justiça, eficácia, respeito. Mas, sinceramente, você acha que isso é possível? Mande sua reposta pra mim pelo email igdal@ism.com.br
Este é um debate que vale a pena!
ARTIGO DE IGDAL PARNES, PUBLICADO ORIGINALMENTE NO BIZNEWS, COLUNA “MARKETING SEM ENROLAÇÃO”, EM 30.NOV.2021